O que significa fazer tudo para a glória de Deus?

"Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a Glória de Deus". (1 Co 10.31). Esse versículo é bastante utilizado principalmente como critério para avaliar se algo agrada a Deus ou não. O problema é que frequentemente ele é usado como fundamento para uma rigidez moral que Deus não exige o que configura leglismo. Ir à praia, ir ao cinema, e outras atividades que não vou mencionar pelo risco de ofender alguém não seriam práticas lícitas porque não glorificam a Deus. Porém, o que Paulo quis dizer exatamente através desse versículo? Primeiro vamos analisar o contexto da passagem. 

O contexto da passagem fala sobre liberdade cristã. No v. 22 Paulo provavelmente citou um provérbio popular entre os Coríntios e que eles haviam distorcido "Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas." Paulo quis explicitar que até mesmo coisas legítimas para o cristão podem se tornar pecaminosas se elas não são convenientes em determinado contexto ou se elas dominam nossa mente e vontade. 

Então ele começa a tratar de uma questão que estava inquietando os Coríntios: o consumo de alimentos oferecido a ídolos. Paulo, obviamente, condenava o consumo de alimentos oferecidos a ídolos. O problema é que esses alimentos eram vendidos no mercado junto com outros alimentos. Como saber se eu tinha comprado um alimento oferecido a ídolos ou não? Paulo responde: "Comei de tudo o que se vende no mercado, sem nada perguntardes por motivo de consciência; Porque do Senhor é a terra e a sua plenitude. Se algum dentre os incrédulos vos convidar e quiserdes ir, comei de tudo o que for posto diante de vós, sem nada perguntardes por motivo de consciência". V. 25-27. Em outras palavras os Coríntios não precisavam ficar paranoicos se inquietando se algo era oferecido a ídolos ou não. Isso nos remete a algumas atitudes de alguns crentes hoje ao atribuir tudo ao demônio. "Tal música é do demônio", "Tal livro é do demônio". O diabo não tem nada. É o que Paulo diz nessa passagem "Do Senhor é a terra e a sua plenitude". Tudo é dele. Famosa é a frase de Abraham Kuyper "Não há um centímetro quadrado em todos os domínios da nossa existência, os quais Cristo que é soberano sobre tudo, não clame: é meu!". Todo talento vem de Deus. Por mais que os incrédulos não tenham a intenção de glorificar a Deus quando eles produzem algo bom eles acabam glorificando porque "Toda dádiva e todo dom perfeito vem do alto, descendo do pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação." (Tg 1.17).

E quando alguém dissesse "esse alimento foi sacrificado aos Ídolos" o que fazer? Paulo mais uma vez responde "Porém, se alguém vos disser: Isto é coisa sacrificada a ídolo, não comais, por causa daquele que vos advertiu e por causa da consciência; Consciência, digo, não a tua propriamente, mas a do outro. Pois porque há de ser julgada a minha liberdade pela consciência alheia? Se eu participo com ações de graças, porque hei de ser vituperado por causa daquilo que dou graças?" V. 28-30. Em outras palavras Paulo está dizendo que entre a minha liberdade e a consciência da pessoa que me advertiu eu devo escolher não ferir a consciência dessa pessoa. Eu sei que algo não é pecado, mas se eu usar a minha liberdade em fazer tal coisa e com isso ferir a consciência de alguém então eu não faço. 

Agora vem o versículo chave da passagem "Portanto, quer comais, quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus". Esse versículo é uma conclusão de tudo o que Paulo disse antes. E a conclusão é que não basta avaliarmos que uma coisa não é pecado aos olhos de Deus precisamos também analisar se em determinado contexto a minha liberdade em fazer tal coisa pode ferir a consciência de alguém. Se ferir isso não glorificará a Deus, então não faça. Esse é o sentido pretendido por Paulo qualquer outro sentido atribuído a essa passagem é uma interpretação forçada para justificar um legalismo velado. 

Portanto, se eu faço algo que eu tenho convicção de que não é pecado, porém isso vai ofender alguém eu não faço porque isso não glorifica a Deus. Eu só faço aquilo que não é pecado e não ofende a ninguém.